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A lei contra homofobia ou sobre como o brasileiro adora criar um mundo no papel

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"The more corrupt a society, the more numerous its laws"
Edward Abbey

     Antes de tudo, vou começar com um disclaimer: não tenho nada contra homossexuais, sou a favor do casamento gay e da adoção de crianças por homossexuais. Isso porque (no melhor estilo Douglas Adams vou cortar todo o suspense e dizer exatamente o que eu vou escrever), neste texto, vou me posicionar contra o Projeto de Lei 122/2006, que ficou conhecido como a Lei Contra a Homofobia.
     O que se pode pensar, erroneamente, é que quem é contra uma lei para “criminalizar” a homofobia, necessariamente, é a favor do preconceito, o que, obviamente, não é verdade.  Por isso, coloquei o disclaimer ali em cima prevendo que alguém vai me acusar de homofobia. Enfim, que venham, espero que pelo menos leiam o texto antes de falar qualquer coisa.


     É hábito no Brasil que a cada episódio que cause comoção nacional, apareça algum parlamentar aproveitador com uma lei específica sobre aquele assunto, ou um abaixo-assinado na internet. Foi assim com a Lei dos Crimes Hediondos. E, provavelmente, vocês já viram e até assinaram alguma petição para uma lei contra maus tratos a animais. Com a homofobia não é diferente: a partir do momento em que os crimes contra gays por estes serem gays começaram a surgir na imprensa, apareceu o PL 122/2006, de autoria da senadora Marta Suplicy. Exatamente, a mesma Marta Suplicy que tentou tirar vantagem de uma suposta homossexualidade de Gilberto Kassab (obviamente como uma coisa ruim) quando os dois concorreram pela prefeitura de São Paulo.

"Sabe se ele é casado? Tem filhos?" - propaganda política de Marta Suplicy, sobre Gilberto Kassab

      Não pretendo aqui usar o argumento raso de que há um lobby gay para criar uma casta especial de cidadãos ou que os homicídios de homossexuais representam uma fatia ínfima do geral de assassinatos no país e que, portanto, essa lei é desnecessária. Nenhuma morte deve ser considerada indigna de atenção. O sofrimento de apenas um cidadão já deveria ser o suficiente para mobilizar o Estado. Vou escrever contra essa lei porque ela não muda nada na maior parte de suas disposições e, onde muda, assim o faz de maneira ruim.

Crimes de opinião

     O principal problema com a lei da homofobia é que muitas pessoas não conhecem o texto da lei. Alguns acham que, a partir da entrada em vigor do documento, qualquer pastor que fale que gays são imorais na televisão de madrugada vai acabar sendo processado por “homofobia”. Detesto colocar água no chope, mas não só não existe nenhum artigo na lei contra a homofobia como manifestação de idéia genérica ou como ofensa à moral de um grupo, como há outro artigo para, justamente, evitar que esses atos sejam criminalizados:

Art. 3º O disposto nesta Lei não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal.


"Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las" - Voltaire

     E nisso tenho que dar o braço a torcer, a lei acerta.“Olha aí, não falei que ele era preconceituoso e odiava gays?”. Não é bem assim. Eu acho uma idiotice falar que os gays são imorais, sujos, responsáveis por terremotos na Malásia e culpados dos males do mundo. No entanto, também acho que não cabe à Justiça punir esse tipo de manifestação. A sociedade deve se organizar e boicotar o canal em que tal declaração foi dada, transformar o autor da declaração ofensiva em um pária social, forçar a sua demissão por pressão etc. Se começarmos a processar pessoas por crimes de opinião, estaremos abrindo um precedente perigoso. Nas palavras de um de meus ídolos, Thomas Jefferson, “Eu prefiro as inconveniências decorrentes do excesso de liberdade às decorrentes de um grau muito pequeno dela”. Ou seja, desde que não incentivem o crime ou ofendam alguém diretamente, qualquer um pode falar qualquer coisa, em minha opinião. Não que a pessoa possa falar qualquer coisa impunemente, é só que a punição não será dada por um juiz, mas pela sociedade.

Eu discordo. Mas eu respeito seu direito de ser estúpido.

O que a lei realmente contém 


      O projeto contempla mudanças em alguns tipos penais (que são os artigos, aquelas ordens contidas na lei dizendo o que você não deve fazer e que são seguidos das penas) e a criação de alguns outros.  A maioria das alterações sequer muda realmente alguma coisa, como veremos.
     Primeiramente, o projeto propõe a criação de crimes que podem existir na atuação profissional, como a não contratação de uma pessoa em razão da opção sexual, a discriminação de funcionários homossexuais e esse tipo de coisa. A pena é de 1 a 3 anos de reclusão. Uma pessoa condenada a 3 anos de reclusão nunca vai acabar na cadeia, no máximo, pagará uma multa e prestará serviços comunitários. O direito civil, com uma ação de danos morais, e o direito do trabalho cuidariam desse caso de maneira muito melhor e, acreditem, punitiva. É assim que acontece nos EUA, por exemplo. E, aliás, convenhamos, num país em que o homicídio culposo (matar alguém por imperícia, imprudência ou negligência) tem pena de detenção de um a três anos, nem poderíamos querer que a pena de homofobia fosse maior. Em outras palavras, se eu decidir dirigir um trator sem ter habilitação e atropelar e matar uma pessoa, eu sofro uma pena menor que se eu não contratar uma pessoa por causa da orientação sexual dela, caso a lei seja aprovada. Os dois fatos são errados e reprováveis, mas, sejamos sinceros, matar alguém, acidentalmente ou não, é muito mais grave.

O cerne da questão

      De mesmo modo, foi criado um tipo que criminaliza quem, por motivo de preconceito quanto à orientação sexual, impede alguém de ingressar em repartição pública ou de ter acesso a serviços públicos. Novamente, a pena é de 1 a 3 anos. Mais uma vez, um caso que seria muito melhor conduzido pelo direito civil e, nesse caso, pelo direito administrativo, que seria responsável por punir o funcionário público perpetrador do ato.
     Eu não estou levanto em conta, ainda por cima, que uma pessoa vítima de qualquer uma das situações acima descritas pode denunciar os agentes por outros crimes como, por exemplo, injúria, difamação, constrangimento ilegal ou ameaça. Ou seja, as leis são completamente desnecessárias.
     Mais adiante, no texto do projeto, aparece o seguinte artigo:

Art. 7º Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:

Pena – reclusão, de um a três anos.”


     Lindo, certo? Até seria, se já não existisse um outro artigo no Código Penal (que é de 1940, notem) com exatamente o mesmo conteúdo, apenas mais abrangente. Aí vai o artigo, para comparação: 

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.”

      Os dois artigos podem punir exatamente o mesmo ato. Agora quero saber como você escolheria, se fosse juiz, qual dos dois artigos vai aplicar em um caso desses? Talvez devessem simplesmente aumentar a pena do artigo 286 do código penal e pronto. Por sinal, não se pode nem dizer que os legisladores “esqueceram” que o Código Penal já tratava do assunto (como se isso fosse desculpa), porque, se o projeto for aprovado, será incluído um parágrafo único no artigo 286 prevendo o aumento da pena em um terço quando “a incitação for motivada por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”. Ou seja, aparentemente, o legislador quer que se apliquem as duas leis para o mesmo fato. O que, evidentemente, é ridiculamente ilegal. Isso é conhecido no direito como bis in idem.
    Outra alteração é no artigo 121 do código penal, que tipifica o homicídio. O projeto adiciona a qualificadora (um dispositivo para aumentar a pena) de preconceito contra orientação sexual e de gênero. A questão é que o homicídio cometido por motivo fútil e por motivo torpe já é considerado qualificado, tornando a adição completamente inútil. Ou matar alguém por conta da opção sexual da vítima não é um assassinato por motivo torpe e fútil?

Marcha do Orgulho Hetero

     O projeto segue em frente fazendo adições nas leis de injúria, difamação e lesão corporal. Todas elas são completamente desnecessárias; seria muito melhor se o legislador simplesmente aumentasse a pena desses crimes. É claro que bater em alguém por essa pessoa ser homossexual é horrível. Mas é moralmente melhor bater em alguém por torcer pelo Palmeiras? Injuriar ou difamar alguém pela opção sexual é pior que injuriar ou difamar alguém porque a pessoa é gorda ou baixa demais? Em minha opinião, não. O problema não são os motivos que levaram à agressão e sim a agressão em si, embora a homofobia deva ser combatida, todas as razões que levam a uma agressão não provocada devem ser combatidas igualmente.
     Enfim, espero ter deixado claro o quanto a lei contra a homofobia é, no mínimo, inútil. É mais um monte de papel oficial em um país que parece ter fixação em se arrumar na base da canetada. É lógico que a homofobia tem que acabar, mas não é dessa maneira ignóbil que teremos sucesso. O problema não é a falta de uma legislação específica sobre o assunto. Como vimos, várias leis podem ser usadas para proteger qualquer pessoa que se sinta ameaçada em razão de sua opção sexual.

Odeio gente homofóbica. Muito. Mesmo.

     A grande questão, na verdade, é que ninguém no Brasil é punido por nada. O ex-deputado estadual aqui do Paraná que, bêbado e em excesso de velocidade, causou um acidente de trânsito que resultou em duas mortes vai, por exemplo, pegar, no máximo 40 anos de prisão, vinte anos para cada homicídio. Claro, se contarmos que ele será condenado à pena máxima, fato raro no Brasil – se chegar a tanto, porque é quase certo o reconhecimento de um concurso formal de crimes. É mais fácil que ele seja condenado a 7 anos, em razão de aspectos técnicos, isso em regime semiaberto. Uma vida, em nosso país, vale, em média, seis anos de privação de liberdade (nos EUA, é prisão perpétua ou pena de morte). Isso mostra que o nosso problema não é falta de lei, é falta de punição, falta de aplicação da lei, ainda que ela não seja das mais severas ou das melhores. Não adianta querermos construir um país melhor somente no papel; a realidade pouco se importa com o delírio dos nossos legisladores. Mais do que punir transgressores, parece que o objetivo da nova lei é agradar (não sem um possível interesse eleitoreiro) uma parcela da sociedade que é capaz de gerar impacto politicamente na opinião pública. Ao cabo, fica a pergunta: quem acredita que essa nova lei vai resolver algum problema? Criminosos bárbaros vão continuar a responder processos em liberdade; condenados vão ficar anos a fio aguardando a apreciação de recursos pelos tribunais superiores como se nada tivesse acontecido; injúrias, difamações, lesões corporais e outros crimes continuarão a ser punidos com cestas básicas e fantasiosas prestações de serviços à comunidade, que quase ninguém fiscaliza... Alguém acha que vai ser diferente? Façam suas apostas!


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